Caracterização dos sistemas produtivos de ovinos de leite no Brasil

Este trabalho é parte da tese de doutorado em andamento de Anderson Elias Bianchi, da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil.

A ovinocultura leiteira, atividade bem estruturada em países Europeus e Asiáticos, é um tanto recente no Brasil. Alguns dados demonstram que até a década de 80 existiam no país apenas algumas criações de ovinos da raça Bergamácia para a produção de leite. No ano de 1984, houve pequena importação de material genético da raça Lacaune, de origem francesa, para Minas Gerais, mas por algum motivo a atividade não se expandiu e a genética não foi multiplicada.

No ano de 1992, produtores gaúchos fizeram importações de material genético também da raça Lacaune, criando dois polos no Rio Grande do Sul, um na região de Porto Alegre e outro na Serra Gaúcha. Com essa genética trazida em algumas importações, originou-se a maioria dos rebanhos existentes até hoje no Brasil.

Anos mais tarde, de 2006 a 2009, foram introduzidos no Brasil animais, embriões e sêmen da raça East Friesian, de origem alemã, tendo sido esse material importado do Uruguai, Argentina, Nova Zelândia e Austrália. A raça Lacaune passou por ampla janela sem renovação do material genético, em função da interrupção das importações por questões sanitárias e somente no ano de 2012 alguns produtores conseguiram trazer novamente uma quantidade significativa de sêmen da raça Lacaune, com boa procedência genética.

Assim, o rebanho comercial de ovinos de leite está sendo trabalhado no Brasil apenas a 24 anos, sendo ainda a atividade incipiente quando comparada a outras atividades produtivas. Há também carência de informações técnicas oficiais e reais da atual situação da ovinocultura leiteira no Brasil e essa falta de dados técnicos e econômicos é um ponto crítico na atividade, tanto para produtores já estabelecidos, como para novos interessados.

Nesse mesmo sentido, considerando que a produção de ovinos pode ser uma importante opção para as pequenas e médias propriedades, o conhecimento de sua real dimensão e seu potencial econômico seria importante para uma possível inclusão em políticas públicas de desenvolvimento regional, principalmente nas regiões Sul e no Nordeste. Nesse sentido, o estudo de viabilidade econômica da produção e da industrialização é de extrema importância para identificar os gargalos no processo produtivo e a logística de distribuição e comercialização desses produtos.

Considerando esse contexto, a ABCOL (Associação Brasileira de Criadores de Ovinos de leite) em parceria com o LAPOC/UFPR está realizando um estudo a fim de caracterizar os sistemas produtivos de ovinos de leite em diferentes regiões do Brasil e discutir os fatores de produção mais importantes nas propriedades. O trabalho foi desenvolvido por meio de acompanhamento técnico e de coleta de dados durante todo o ano de 2015 em propriedades de todos os Estados brasileiros, onde há relatos da atividade. Esses dados foram coletados de forma presencial, sendo acompanhada pelo proprietário ou responsável.

Na Tabela 1 são apresentados os dados referentes a número de produtores, número de matrizes nos rebanhos, número de laticínios e produção anual de leite em cada um dos sete Estados, nos quais há relato da produção comercial de ovinos leiteiros.

Tabela 1: Distribuição dos rebanhos de ovinos leiteiros no Brasil.

Distribuição dos rebanhos de ovinos leiteiros no Brasil

O Estado do Rio Grande do Sul, pioneiro na produção comercial de ovinos leiteiros possui o maior número de rebanhos especializados, sendo sete rebanhos no total. A maioria desses produtores estão ligados à empresa comercial Casa da Ovelha, que além de ter produção própria, ainda realiza a compra do leite dos produtores da região, possuindo o segundo maior plantel de matrizes, em torno de 2000 animais.

O Estado também possui a segunda maior produção de leite do Brasil, com 270 mil litros por ano, ficando somente atrás do Estado de Santa Catarina que possui a maior produção, em torno de 315 mil litros por ano e o maior rebanho, em torno de 2400 matrizes. Santa Catarina possui apenas quatro produtores, sendo que dois deles possuem rebanho superior a 600 matrizes, sendo o Estado com o maior rebanho, mesmo tendo menor número de produtores.

No Estado de Minas Gerais, nos últimos anos, tem crescido bastante o plantel de animais especializados e o número de produtores. O Estado é o terceiro em rebanho com 950 matrizes e produção de 130 mil litros de leite por ano, mas com ótimas perspectivas de crescimento impulsionado pelo mercado consumidor crescente. A tradição leiteira e queijeira de Minas, também contribui para o potencial do Estado como produtor de leite e lácteos de ovelha.

O Paraná possui dois rebanhos e uma produção de 15 mil litros de leite por ano, sendo que uma particularidade das propriedades desse Estado é que, além da produção de leite, utilizam também a produção de animais de corte para viabilizar a atividade.

Os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e o Distrito Federal possuem juntos 11 rebanhos, em torno de 1050 matrizes leiteiras e produção anual de 110 mil litros. A particularidade dos três Estados é possuírem rebanhos pequenos, mas em crescimento, seguindo a expansão do mercado consumidor, que foi a peça chave que impulsionou os produtores a ingressarem na atividade. Esses Estados continuam tendo o maior mercado consumidor, totalmente favorável a produtos à base de leite de ovelha, o principal fator que atrai os produtores a ingressarem na atividade.

Nota-se, portanto, que a produção comercial de ovinos de leite teve início no Estado do Rio Grande do Sul há quase 25 anos, como mencionado anteriormente, e atualmente ainda mantém a maior concentração de rebanhos; porém, pode-se dizer que nesse período a atividade também se expandiu consideravelmente em outros Estados brasileiros.

Com relação aos laticínios, a Tabela 1 mostra que, de forma geral, o número de unidades de processamento está diretamente relacionado ao número de rebanhos nos Estados, indicando que a produção está totalmente atrelada ao beneficiamento, e que a unidade de processamento do leite geralmente fica localizada na propriedade produtora.

Na Tabela 2, pode-se verificar que, dentre 28 propriedades, 21 delas beneficiam o leite na mesma, com volumes variando de 2 mil até 90 mil litros de leite por ano. O volume de leite trabalhado é bastante variado entre as propriedades, desde produções totalmente artesanais de 2 mil litros de leite por ano até o beneficiamento de 90 mil litros, podendo ser este considerado um laticínio de grande porte, se tratando de leite ovino, e nas atuais condições de produção do país.

Tabela 2: Destino do leite das propriedades produtoras de ovinos de leite em diferentes regiões do Brasil.

Destino do leite das propriedades produtoras de ovinos de leite

Entre as 28 propriedades, seis realizam a venda do leite in natura e apenas uma delas beneficia quantidade parcial na propriedade e comercializa o excedente para outra unidade de beneficiamento. O volume médio de produção nas propriedades que realizam a venda do leite é maior que o das propriedades que realizam o beneficiamento, mas também se encontram volumes bem distintos, havendo propriedades com 15 mil litros por ano até propriedades de 220 mil litros por ano.

Outro ponto importante é entender a logística utilizada pelos produtores que comercializam o leite para outros estabelecimentos, muitas vezes distantes da propriedade. Produtores maiores, ou que estão próximos ao laticínio fazem a estocagem e o transporte do mesmo resfriado entre 2 e 4 ºC, tendo o cuidado para que esse leite seja entregue ao laticínio em até 48 horas após a ordenha. Produtores menores, ou que estão distantes do laticínio, devido à dificuldade de fazer o transporte a cada 48 h, realizam o congelamento do leite, e, quando há um volume significativo, fazem o transporte até a unidade de beneficiamento. É importante salientar que, no caso do leite ovino, por este ter características físico-químicas diferentes das do leite bovino, o congelamento permite posterior processamento em queijos, iogurtes e outros produtos, apenas tendo uma redução de 3 a 5 % no rendimento.

Com relação ao sistema de inspeção utilizado nos 24 estabelecimentos que processam leite ovino, quatro possuem o registro no Sistema de Inspeção Federal (SIF), dois possuem registro no Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal (SISBI-POA), cinco possuem registro no Sistema de Inspeção Estadual (SIE), quatro possuem registro no Sistema de Inspeção Municipal (SIM) e nove deles são considerados artesanais e estão em processo de adequação para serem inspecionados pelo sistema cabível.

Alguns produtores relatam dificuldades em adequar seus estabelecimentos a algum dos sistemas citados acima (SIF, SISBI, SIE) em função do baixo volume de leite produzido e à falta de legislação específica, inexistência de parâmetros físico-químicos e sanitários para o leite de ovelha, e pela própria desinformação dos agentes de inspeção. Mesmo assim a produção é rentável, dado o valor que pode ser agregado aos produtos.

Com relação às características das propriedades produtoras de ovinos de leite, encontra-se um fator de extrema importância, que é a área de terra destinada à produção. Na Tabela 3 estão relacionados o número de propriedades, número de matrizes e a produção média de leite no ano dos estabelecimentos alocados por área. Podemos ver que mais de 60 % das propriedades produtoras de ovinos de leite no Brasil possuem menos que 10 ha, rebanho médio de até 120 matrizes e produção anual em torno de 15 mil litros de leite. Esses dados demonstram que é uma atividade que pode ser praticada e viabilizada em pequenas propriedades, em função do valor agregado presente no leite e nos demais produtos, propriedades essas que muitas vezes seriam tecnicamente inviáveis para produzir com outros ruminantes.

Tabela 3: Característica fundiária das propriedades produtoras de ovinos de leite no Brasil.

Característica fundiária das propriedades produtoras de ovinos de leite

Pode-se ver que há poucas propriedades com mais de 50 ha, com rebanhos acima de 250 matrizes e produção de leite em maior volume, mas em geral a atividade é praticada em propriedades que diversificam suas produções, sendo a ovelha leiteira uma das atividades.

Na Figura 1 encontra-se a ilustração dos rebanhos classificados por número de matrizes, variando de propriedades menores com até 45 matrizes e propriedades consideradas grandes, com porte de produção de países europeus e asiáticos de maior tradição na atividade, com 1500 matrizes.

Figura 1. Rebanho de matrizes de ovinos de leite por propriedade.

Rebanho de matrizes de ovinos de leite

Com relação às raças, como citado acima, o rebanho ovino leiteiro atual tem sua base na raça Lacaune, mas nos últimos 10 anos também houve a introdução de material genético de animais da raça East Friesian. Nas propriedades produtoras de leite ovino (Figura 2), a raça Lacaune é encontrada em 27 delas, sendo que em 21 cria-se exclusivamente Lacaune e em outras 6 encontram-se rebanhos Lacaune e rebanhos East Friesian. Somente em uma propriedade estudada encontram-se apenas animais da raça East Friesian.

Figura 2. Raças de ovinos de leite presentes nas propriedades no Brasil.

Raças de ovinos de leite

Devemos salientar que em algumas das propriedades também há animais da raça Bergamácia e ovelhas da raça Santa Inês puras, ou cruzadas com Lacaune e East Friesian. Possivelmente encontram-se pelo Brasil outros rebanhos dessas raças, mas que não estão ainda sendo ordenhadas, e outros que ordenham experimentalmente.

Conclui-se que a ovinocultura de leite, apesar de atividade recente no Brasil, apresentou expressivo crescimento nos últimos anos, impulsionado pela procura por atividades rentáveis por parte do produtor e busca por alimentos de qualidade e saudáveis pelos consumidores. Porém, a necessidade de dados e estudos técnicos-científicos é de extrema importância para auxiliar os produtores que estão na atividade e para novos que irão iniciar. Assim pode-se criar uma base de informações e dados nacionais, reduzindo a necessidade de se usar dados adaptados de outras espécies ou de ovelhas leiteiras em outros países.

Agradecimentos

Agradecimento a ABCOL e aos produtores que fazem parte dessa associação e contribuíram com os dados de suas propriedades para o presente estudo.

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